Diante da Estátua
Teresa já atingira os quarenta anos, quando fez a experiência de um
acontecimento ordinário-extraordinário. Num fim de tarde, estava se dirigindo
para a ampla cela, quando inadvertidamente deu com uma Estátua colocada ao
longo da parede, que ainda hoje se venera no Convento. A Estátua representa
Cristo na Coluna, no momento em que é flagelado pelos algozes. Imagens são
criações de pintores ou escultores e podem ser contempladas primeiramente sob
um ângulo artístico. Porém, nisto ainda não se esgota todo o seu significado,
visto que as imagens sempre contêm uma mensagem. As imagens possuem uma
linguagem, muitas vezes, até uma linguagem muito insistente, que, não raro, é
mais vigorosa do que muitos sermões mornos. Por isso, todo o movimento
iconoclasta, destruidor de imagens, é, em princípio, errado. Imagem e palavra
se completam reciprocamente: formam um todo e não podem ser separadas. Teresa
também fez esta experiência. Pensativa, parou diante da Estátua, contemplando-a
profundamente. O Senhor coberto de tantas Chagas, inundado de Sangue, padecia
as Dores sem soltar gritos. Porém, não devemos contemplar a cena com o
sentimento lânguido que diz: “A representação é realista demais: prefiro cenas
mais amenas !”. Seja como for, Teresa já vira imagens semelhantes; sem refletir
muito, passara indiferente diante delas.
Agora,
porém, como sob uma Ordem Superior, parou diante da Estátua, descobriu como o
Sangue escorria pelo Corpo de Cristo e os tormentos que o Homem das Dores tinha
de suportar. Subjugada pela contemplação da cena, dobrou os joelhos e caiu
banhada em lágrimas. Este foi um momento decisivo na Vida de Teresa. Apesar de
todos os desejos de dissipação, ainda não estava tão embotada que não fosse
mais capaz de vivenciar de maneira real essa irrupção elementar em toda sua
realidade. Confusa, Teresa, quarentona,
sentiu a indignidade de sua existência no Convento mundanizado e sua piedade
medíocre. O Senhor sofreu, e ela se entregava a conversas frívolas; Cristo
se humilhou, e ela corria atrás de novidades. Este contraste
irreconciliável golpeou-a como uma martelada. E um arrependimento, como até
então nunca sentira, fez estremecer-lhe o coração. Toda a sua Vida de Monja
passou-lhe subitamente diante dos olhos, num instante, como uma farsa única,
uma franca ofensa a Deus.
Esta experiência diante
da Estátua não foi apenas uma intuição artística; foi muito mais ! Foi uma
Experiência Religiosa, para a qual se achava inteiramente desprevenida. Pela
primeira vez na sua Vida, Cristo se encontrou realmente com ela. Não em forma
de piedosa representação ou de um espetáculo edificante, mas numa comovente
realidade. Viu-se frente à frente com Ele, sem poder esquivar-se. É possível
que alguém participe, durante vinte anos, do Canto do Coro e da Liturgia sem ter a mínima idéia de
Cristo? Teresa é uma prova disso. Chegara o momento em que o Senhor lhe veio ao
encontro e a fez dobrar os joelhos. Com uma autoridade sem par, o Senhor a
prostrara no chão. Uma mão superior aniquilara a Alma de Teresa, sem que pessoa
alguma tivesse dado um motivo, um estímulo para isto.
O surpreendente
encontro com Cristo teve amplas conseqüências. De golpe,Teresa põe termo à sua
existência frívola. Nunca mais bisbilhotou no Locutório, nunca mais vacilou
entre Convento e mundo. Tudo terminara definitivamente. A mudança de Teresa foi
fulminante. O que havia acontecido antes não tinha importância; e o que se
seguiu depois, é o acontecimento pelo qual falamos hoje de Teresa. A Estátua
foi sua Experiência de Damasco. Não obstante, foi apenas o primeiro passo de
uma evolução extraordinária. Teresa encontrou o Caminho; e encontrar o Caminho
significa encontrar Deus. E ela continuou a trilhar este Caminho até o fim de
sua Vida e não se deixou desconcertar por pessoa alguma. Agora suas qualidades,
coragem e firmeza vieram novamente à tona e fizeram dela aquela mulher
extraordinária, de que não consegue mais desprender-se quem uma vez compreendeu
seu ser profundo.
Teresa tornou-se, daí em diante, a Monja diligente, atenta,
de quem nunca mais se pode dizer: “Iniciou bem, mas vacilou na caminhada”. Seu
pensamento principal rezava assim: assegura que se tratava de uma Dor Espiritual, se
bem que o corpo também participasse dela. Bernini tentou -representar a
experiência com sua arte numa célebre escultura. O valor da obra de Bernini
consiste na tentativa de dar expressão, simultaneamente, ao gozo e à dor;
porém, o Anjo, com olhar apaixonado, apresenta demasiadamente a figura de um
anjinho para ser autêntico. Antes de tudo é preciso que não nos deixemos
seduzir pela obra de arte, pra que não nos faça crer que Teresa se encontrou
continuamente em estado de Êxtase. Ela não só conheceu outros dias como também
outros atos. A tentativa de verificar o ferimento na Relíquia do Coração por
uma equipe médica, como o fez no século passado uma priora, visa apenas a
substituir o caminho da Fé pelo caminho da demonstração científica. Esta
certamente não estava na mente de Teresa. Ela relata seus Êxtases na linguagem Cristã, que pertence ao campo mais original
da experiência e não tem nada a ver com demonstração científica posterior,
sobretudo por não se tratar, segundo a sua afirmação, de uma ferida corporal.
Para
Teresa, esses encontros com os Anjos significavam que Cristo se achava
imediatamente a seu lado, embora não lhe fosse dado vê-lo com os olhos do
corpo. Nos Êxtases, o Senhor lhe falava silenciosamente e ela se sentia
atingida por seu olhar. Teresa sentia Deus presente em si mesma e julgava que,
se quisesse falar sobre esse assunto, seria “falar árabe” aos seus ouvintes;
não entenderiam coisa alguma.
Certa vez, durante um
êxtase, Teresa ouviu as seguintes palavras:
“Quero que doravante não te entretenhas mais com pessoas humanas, mas
com Anjos !”. No primeiro momento, temos a impressão de não termos lido
corretamente; mas estas palavras se acham escritas, preto sobre branco, no seu Livro da Vida. Que diferença entre as
conversações havidas no locutório e as falas com os Anjos ! O que o Antigo e o
Novo Testamentos relatam sobre falas com
Anjos, Teresa o experimentou, embora nunca tenha revelado algo sobre o
conteúdo dessas conversas. O homem moderno perdeu esta experiência por causa de
sua incapacidade religiosa e, conseqüentemente, também nega simplesmente toda
dimensão do Além. Não obstante, existe o Mundo dos Anjos, que nos pode ser
restituído a qualquer momento. Seja como for, Teresa mantinha relações com os
Mensageiros de Deus. Ela cria firmemente que o seu Anjo da Guarda a acompanhava
constantemente e que lhe era dado falar com ele e, se quisesse, até tocá-lo.
Cumpre que façamos o
relato mais pormenorizado de um êxtase: Teresa viu a presença de um Anjo, que
parecia estar de pé, em chamas, e viu “nas mãos do Anjo que me apareceu, um
dardo de ouro; parecia-me que na ponta
de ferro havia um pouco de fogo. Tive a impressão de que me transpassava
algumas vezes com o dardo o coração até o mais íntimo, e quando o tirava,
parecia-me estar arrancando também esta parte íntima do coração. E quando me deixava,
sentia-me inteiramente inflamada de ardente Amor a Deus. A dor dessa ferida era
tão intensa que me arrancava os mencionados gemidos e queixas; mas também o
enlevo que essa dor indizível produzia era tão efusivo que não me era possível
ficar livre dele, nem me podia contentar com Algo que não fosse menos que
Deus”.
É difícil comentar a
Transverberação do Coração, por que se trata de uma das experiências místicas
mais grandiosas de todos os tempos. O acontecimento único, incompreensível,
mostra que Anjo e Coração não podem ser separados e que o Mensageiro Celeste
penetra as profundezas mais recônditas do ser humano. Percebemos o Anjo com o
Coração e jamais com a Inteligência. Teresa
“Começamos agora;
esforçai-vos sempre por começar de novo”. Na realização do constante
renovamento está o segredo da Vida de Teresa. Na verdade, o segredo de toda
Vitalidade Religiosa é começar a cada dia.
26 de agosto
Transverberação do Coração
de Santa Teresa de Jesus,
Nossa Mãe
Transverberar
“Transverberar:
Verbo. Do Latim – transverberare –
1.
Transitivo direto:
coar ou deixar passar ( cor, luz, som,etc). Ex.: As frestas do casebre transverberavam o clarão pálido do
luar.
2.
Transitivo indireto:
transpassar um meio: reverberar, transluzir. Ex.: A luz transverberava através das frestas ( ou pelas frestas ).
3.
Transitivo indireto:
derivar, partir. Ex.: Banha-o a luz que transverberava
do firmamento.
4.
Pronominal:
espelhar-se, manifestar-se, refletir-se. Ex.: Transverberava-se-lhe nos
olhos a nobreza da Alma.
5.
Transitivo direto:
manifestar, mostrar, revelar. Ex.: Seu permanente sorriso transverbera sua gentileza.
Dicionário
Brasileiro da Língua Portuguesa – Barsa.
Oração: Deus Onipotente, com o fogo de Vosso Amor, abrasastes, de modo
admirável, Santa Teresa, Nossa Mãe, fortalecendo-a para assumir árduas tarefas
em prol do Vosso Nome. Concedei-nos, por sua intercessão, sentir intimamente a
força do Vosso Amor, o qual nos leve sempre a trabalhar por Vós com
generosidade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na Unidade do
Espírito Santo.
“Entre as virtudes de Teresa, ocupa lugar eminente
o Amor de Deus que, o próprio Jesus nela infundiu, através de muitas visões e
revelações. Duma feita, fê-la sua esposa; em outra ocasião, Teresa viu um Anjo
que lhe transverberava o coração com um dardo de fogo. Por estes Dons Celestes,
a Chama do Divino Amor ateou-se tão ardentemente nela, que emitiu Voto de fazer
sempre o que acreditasse ser mais perfeito, o que desse maior Glória a Deus”. ( Gregório
XV, Bula de Canonização ).
Texto: Walter Nigg - Fotografia: Helmuth Nils Loose.
Relicário com o coração de
Santa Teresa na Igreja do Convento de Alba de Tormes.