Nossa Senhora desceu do Monte
Em 16 de julho temos uma festa que nós, brasileiros, sentimos muitíssimo, Nossa Senhora do Carmo, do bentinho sagrado que temos recebido quem sabe quando criança e que tanto fala ao nosso coração. O bentinho, o escapulário, sinal da bênção de Maria, de sua proteção materna que caminha conosco e que nos faz sentir que jamais seremos sozinhos para enfrentar as lutas da vida. Há momentos em que a presença da mãe se faz mais exigente, mais forte e mais urgente, como no mundo contemporâneo. É triste que desapareça um pouco a figura do pai, muito ocupado em tantas coisas, distraído em correr de um lado e de outro e que não tem tempo para parar, para escutar o grito dos filhos, ou contar o conto do velho que ia no mato procurar lenha e encontrou um pobre, e quando ajudou o pobre, caiu uma lágrima e a lágrima se transformou em tesouro. Hoje os tesouros não se encontram mais nos bosques mas sim no fundo do mar, o petróleo tão precioso que está contaminando as nossas águas, ou no ventre da terra e a ganância nos faz romper o útero da terra na busca da não vida que é o ouro. É preciso que os pais recuperem a sua dimensão de ternura como o pai de santa Teresinha, que chamava a sua filhinha de “minha princesa”, e ela, comovida, chamava o seu pai de “meu rei”.
Mas a pessoa da mãe está sempre mais presente. Agora as mulheres se deram conta de que babá não pode educar filhos e nem transmitir o amor materno, não podem substituir, que ventre de “aluguel” nunca será verdadeira maternidade. É o momento tão grande para o mundo que só as mulheres, mães, esposas, poderão ajudar a ser diferente. Mas alguém já poderá se perguntar: mas que tem a ver tudo isto com a festa de Nossa Senhora do Carmo?
Maria, mãe de Jesus e nossa, nos ensina novos rumos, novos caminhos para não nos perdermos na floresta dos interesses egoístas e nem sermos obcecados pelo dinheiro e pelo bem estar econômico. Ela nos ensina que o consumismo só tem uma finalidade, esvaziar o nosso interior e tornar-nos ocos. Maria, mãe de Jesus, nos toma pela mão e nos indica o rumo para fonte da verdade, da vida e do amor.
Nestes dias fiz um sonho. Era já o amanhecer. Sonhei que estava no monte Carmelo, nunca fui lá e pode ser que nunca irei. Gostei, um monte não grande. Havia uma capelinha dedicada a Nossa Senhora do Carmo. Entrei e lá estava uma estátua de nossa Senhora, sentada num grande trono com o menino Jesus nos braços, estreitando-o ao coração. Rezei, pensei, cantei uma Salve Regina, me maravilhei de que Maria me sorrisse, porque ninguém pode sorrir ao meu canto a não ser por desprezo, porque sou desentoado, mas o sorriso de Maria era de aprovação e então me animei e cantei outra vez. Quando estava para ir embora Maria me olhou e me disse: “Abuna Patrik, leve-me com você, não quero mais ficar sozinha em cima deste monte, me leve à sua casa, e onde você for eu rei ao seu lado.” Resisti, mas não teve jeito, fui obrigado a levá-la comigo. E fomos. Este sonho me ensinou tantas coisas.
MARIA ME ENSINOU A PARAR PARA ESCUTAR
Maria me ensinou que não se pode correr de um lado a outro. Devemos ter pressa como ela para levar o alívio a todos os que sofrem, ajudar, não sermos preguiçosos quando alguém nos estende a mão pedindo ajuda. Aliás para quem ama não é necessário que o outro peça ajuda. Quem ama ajuda sempre. Mas é necessário parar para escutar, abrir o nosso coração a todos para que todos possam entrar em nós, sentar, ficar à vontade e contarmos nossos sofrimentos. Maria me ensinou que hoje as pessoas são cada vez mais “panelas de pressão”, sofrem e sofrem e sofrem e não têm ninguém para desabafar, para derramar as lágrimas, para colocar as próprias mágoas. Maria me levou por tantos lugares sofridos, eu queria correr, me fazia medo a pobreza, a miséria. Não conseguia olhar crianças buscando comida nos lixeiros, nem podia parar para olhar pessoas enfermas, doentes que não tendo ninguém se arrastavam esperando a morte. Maria me pegou pelo braço e me obrigou a parar para escutar. Compreendi que quando se corre é porque temos medo de nós mesmos, dos outros e de Deus. E correndo achamos que tudo se esvaiu como neblina ao surgir do sol. Correr é pura covardia. Maria me ensinou que o seu lugar é o mundo, é ser caminheira e parar em todos os lugares para escutar de onde vêm as vozes de socorro e correr para ajudar. Silenciosamente, no anonimato, sem os holofotes da imprensa e sem construir nem hospitais, nem igrejas, nem dispensários. Mas só ajudar, sorrir enxugar as lágrimas e ir em frente, sempre em frente, mas sem correr.
MARIA ME ENSINOU A REZAR E CONTEMPLAR
SEMPRE a oração foi para mim uma meta, um ideal. Pode ser que nunca tenha conseguido rezar direito e como diz Santa Teresa nunca chegue à contemplação, que a minha oração não passe de um “pai nosso e ave Maria” e nada mais. Maria me ensinou no sonho a rezar, me fez compreender que a oração não é estar horas a fio olhando para o céu, mas que lembrasse que depois da ascensão ao céu de Jesus vieram anjos para dizer as apóstolos e a ela, que voltassem para Jerusalém. Que não ficassem olhando para o céu somente, mas que olhassem também para a terra. Maria me mostrou claramente que rezar é viver com intensidade, com trabalho, com empenho o que está ao nosso alcance e que nunca nos desanimemos por nada. Me ensinou que rezar é enxergar no rosto desfigurado de tantos nossos irmãos o rosto desfigurado de Cristo, a imagem desfigurada do Pai. Não há política que engane. O rosto de Deus não se pode medir pela fome, pela velhice, pela dor, mas se mede pela transparência fulgurante da beleza do amor que se vive.
Maria me ensinou a não ter medo, mas caminhar corajosamente aonde agora Deus me colocou, num povo novo, numa terra nova, o Egito, numa língua nova que provavelmente a minha língua nunca conseguirá decifrar, mas que posso falar e me fazer compreender com gestos de simplicidade, de amor, com sorriso sincero e com transparência de agir. Maria me fez compreender que o lugar de quem quer ser de Cristo não é nem aqui e nem aí, mas em todos os lugares. Onde houver uma ou duas pessoas, Deus está. Sim, Maria me ensinou também a subir de vez em quando o monte Carmelo, mas não para ficar lá, só para entrar em comunhão de escuta da voz de Deus e depois sempre descer. Aliás, o subir e descer da transfiguração de Jesus é este movimento entre ação e contemplação. Comecei a repetir alguns versículos da bíblia do Magnificat, comecei a cantarolar palavras bíblicas que me fizeram sentir uma grande paz interior. Parece que era outro, que agora podia ter a certeza da vitalidade da minha oração, na medida em que sabia servir a todos, sem fazer distinção de pessoas. A minha oração e contemplação se descomplicou... agora continuo a não saber rezar, a não buscar mais coisas grandes, mas só a dizer a Deus com a palavra simples de uma criança que não quer crescer, que o amo.
MARIA ME ENSINOU A AMAR
MARIA me olhou com um olhar meigo e viu que estava cansado, com olheiras fundas, como diz minha mãe Domênica. Sentei-me numa pedra que me pareceu a poltrona mais confortável de Nova York. Maria me deixou descansar serenamente e cantou para mim uma canção que depois descobri que era o Salmo 130:
- Senhor, meu coração não é orgulhoso,
nem se eleva arrogante o meu olhar;
-não ando à procura de grandezas,
nem tenho pretensões ambiciosas!
- Fiz calar e sossegar a minha alma;
ela esta em grande paz dentro de mim,
- como a criança bem tranqüila, amamentada
no regaço acolhedor de sua mãe.
- Confia no Senhor, ó Israel,
desde agora e por toda a eternidade!
Depois ela me convidou a continuar o caminho. E me perguntou: sabe você o que é o amor? A primeira palavra que veio na minha boca foi dizer que sim, que já tinha experimentado o amor, que sabia de cor algumas passagens da bíblia, mas depois preferi responder que não sabia e que ela me dissesse.
O amor é silêncio, não necessita de palavras;
O amor é dar espaço ao outro;
O amor é ir aonde ninguém quer ir;
O amor é servir a quem ninguém quer servir;
O amor é não rejeitar ninguém;
O amor é partir sem saber para onde;
O amor é dar a vida toda sem reservas;
O amor é coragem de dizer não ao mal;
O amor é sangue que se derrama;
O amor é vida, verdade, caminho;
O amor é amor...
SABE-SE O QUE É,
Mesmo quando se preferiria não saber...
Amar é não perguntar, é só amar
Acordei-me e vi que estava sozinho, mas tinha o rosto sereno, com o perfume do beijo de Maria, minha Mãe. Ela tinha voltado para o monte Carmelo, mas voltaria logo ao meu lado e ao lado de todos para caminhar conosco.
Fr. Patrício Sciadini (Cairo - Egito) - Julho de 2010